A Teoria Psicanalítica da Terapia de Transferência
Entenda o que é a Transferência e como ela pode influenciar diretamente na sua terapia
02.12.2022 | João Vitor Santos
A transferência na teoria psicanalítica é realizada quando você projeta sentimentos sobre outra pessoa para seu terapeuta. Um exemplo clássico de transferência é quando um cliente se apaixona por seu terapeuta. No entanto, pode-se também transferir sentimentos de raiva, desconfiança ou dependência.
Embora a transferência seja tipicamente um termo para o campo da saúde mental, ela pode se manifestar na vida cotidiana quando o cérebro tenta compreender uma experiência atual examinando o presente através do passado. Aqui exploramos a definição de transferência com mais detalhes e os diferentes tipos.
Definindo Transferência
A transferência, em geral, é "o processo de alterar a posição de algo ou alguém para outra". No entanto, a definição de transferência baseada na psicologia é um pouco diferente e se aplica diretamente aos envolvidos na terapia de saúde mental.
Nesse contexto, a transferência é definida como uma projeção dos sentimentos inconscientes de uma pessoa em seu terapeuta. A Associação Americana de Psicologia (American Psychological Association) explica que esses sentimentos são aqueles que foram originalmente direcionados a figuras importantes na infância da pessoa, como seus pais.
O conceito de transferência na terapia surgiu no final do século 20, quando as abordagens terapêuticas se tornaram menos rígidas, dando aos profissionais mais flexibilidade na forma como tratavam seus pacientes.
Tipos de Transferência
A transferência é um fenômeno complexo e às vezes pode ser um obstáculo à terapia. Com base em seus sentimentos, o paciente pode se sentir tentado a cortar completamente o relacionamento com seu terapeuta, por exemplo. Ou eles podem ficar mal-humorados e retraídos durante as sessões de terapia, impedindo seu progresso.
Trabalhar com os sentimentos transferidos é uma parte importante da terapia psicodinâmica. A natureza da transferência pode fornecer pistas importantes para os problemas do cliente, enquanto trabalhar a situação pode ajudar a resolver conflitos profundamente enraizados em sua psique.
Existem três tipos de transferência na terapia:
- Transferência positiva;
- Transferência negativa;
- Transferência sexualizada.
Transferência Positiva
A transferência pode ser algo bom. Um exemplo de transferência positiva é quando você aplica aspectos agradáveis de seus relacionamentos passados ao relacionamento com seu terapeuta. Isso pode ter um resultado positivo porque você vê seu terapeuta como atencioso, sábio e preocupado com você.
Os benefícios da transferência positiva podem ser vistos em um estudo de caso envolvendo uma criança com autismo. Uma vez que a transferência positiva começou a ocorrer, o vínculo do menino com o terapeuta começou a se fortalecer e ele começou a seguir as orientações do terapeuta, reduziu seus comportamentos agressivos e suas habilidades de aprendizado se desenvolveram.
Transferência Negativa
A transferência negativa envolve a transferência de emoções negativas para o terapeuta. Raiva e hostilidade são duas emoções que podem ter sido sentidas na infância, seja em relação a um dos pais ou a outro indivíduo importante, reaparecendo então no relacionamento terapêutico.
A transferência negativa parece ruim, mas na verdade pode melhorar a experiência terapêutica. Uma vez realizada, o terapeuta é capaz de usar essa transferência como um tópico de discussão, examinando ainda mais a resposta emocional do cliente.
A transferência negativa pode ser especialmente útil se o terapeuta o ajudar a superar uma resposta emocional desproporcional ao que aconteceu durante a sessão de terapia.
Transferência Sexualizada
Você se sente atraído pelo seu terapeuta? Nesse caso, você pode estar passando por uma transferência sexualizada, também chamada de transferência erótica. Os sentimentos que se enquadram na transferência sexualizada incluem aqueles que são:
- Íntimo e sexual;
- Reverência ou sentimentos de adoração;
- Romântico e sensual.
Algumas pesquisas sugerem que a transferência sexualizada pode ser mais comum para membros da comunidade LGBTQ+, especialmente se a pessoa tiver poucos amigos ou outros em quem possa confiar.
Contratransferência
Os terapeutas também devem estar cientes da possibilidade de que seus próprios sentimentos e conflitos internos também possam ser transferidos para o paciente. Esse processo é conhecido como contratransferência e pode turvar a relação terapêutica.
Estima-se que 78% dos terapeutas já sentiram sentimentos sexuais em relação a um paciente em um momento ou outro, com terapeutas do sexo masculino experimentando esses sentimentos íntimos com mais frequência do que terapeutas do sexo feminino.
Apesar da conotação negativa da contratransferência, alguns psicoterapeutas a utilizam de forma terapêutica. O terapeuta pode optar por revelar seus sentimentos se um paciente mencionar que parece zangado, por exemplo, primeiro creditando ao cliente o reconhecimento dessa emoção e depois trabalhando em conjunto para entender quanto da resposta pode ter sido projetada pelo paciente.
Exemplos de Transferência na Terapia
Como é a transferência em um cenário terapêutico? Aqui estão alguns exemplos a serem considerados.
Exemplo de Transferência Positiva
A mãe de Antônio sempre foi muito carinhosa com ele e o apoia em suas decisões. Antônio possui uma terapeuta mulher e projeta nela os mesmos sentimentos que tem pela mãe, considerando-a também carinhosa.
Exemplo de Transferência Negativa
Michele ficou muito brava com seu terapeuta quando ele falou sobre a possibilidade de ela fazer algumas atividades em casa. Explorando o sentimento de raiva com seu terapeuta, Michele descobriu que ela estava experienciando a transferência de um sentimento mal resolvido por um antigo professor do ensino fundamental.
Exemplo de Transferência Sexualizada
À medida que a terapia progredia, Cris desenvolveu sentimentos sexuais em relação ao terapeuta. Cris chegou a ter fantasias eróticas envolvendo o terapeuta, às vezes também flertando com ele durante a sessão de terapia.
Discutindo a Transferência com seu Terapeuta
Se o seu terapeuta reconhecer que você está passando por uma transferência, ele pode não querer discutir isso imediatamente. Será, no entanto, necessário abordar a transferência em algum momento, porque se o assunto for evitado, pode levar a um impasse na terapia e impactar negativamente o relacionamento com seu terapeuta.
As consequências adicionais de evitar a transferência são que você, o paciente, pode:
- Ficar envergonhado, desconfortável e retirar-se emocionalmente da terapia;
- Experimente níveis mais altos de estresse durante as sessões de terapia devido a como você se sente;
- Regredir, o que pode anular parte do progresso positivo que você já alcançou;
- Falar sobre a transferência quando você e o terapeuta estiverem prontos pode ajudar a resolver essas questões, potencializando o processo terapêutico.
Perguntas Frequentes
Como a contratransferência difere da transferência?
A transferência é quando um cliente projeta sentimentos no terapeuta, enquanto a contratransferência é quando um terapeuta projeta sentimentos no cliente.
Quais são alguns dos problemas que a contratransferência pode causar para os terapeutas e seus pacientes?
A contratransferência pode tornar mais difícil para um terapeuta ser objetivo durante o processo terapêutico. Pode até mesmo distorcer a terapia para direção errada, pois as ações tomadas durante as sessões podem se basear mais nos sentimentos do terapeuta do que nos sentimentos do paciente. Além disso, os pacientes podem não conseguir resolver seus problemas se estiverem confusos com a resposta emocional do terapeuta.
A transferência na terapia é um mecanismo de defesa?
Alguns pesquisadores sugerem que a transferência na terapia pode ser um mecanismo de defesa, como quando o paciente não é sincero ou não está pronto para enfrentar emoções negativas. Outros afirmam que se a transferência é considerada um mecanismo de defesa varia dependendo da interpretação do terapeuta.
Existem fatores de risco que podem tornar alguém mais propenso a ter uma transferência?
Se um cliente está se sentindo especialmente vulnerável, como ao lidar com uma doença com risco de vida que ameaça sua autoestima e autocontrole, isso pode aumentar seu risco de transferência. Além disso, a transferência pode ser mais comum quando a terapia é realizada pessoalmente, em oposição à terapia que ocorre online.