Novembro Azul e a saúde mental do homem
Além do câncer de próstata: o Novembro Azul também é momento de falar sobre os desafios e cuidados da saúde mental masculina
10.11.2021 | João Vitor Santos
Durante muito tempo eu acreditei que o Novembro Azul era um “Outubro Rosa para homens”.
Havia uma certa lógica por trás desse pensamento: o Outubro Rosa é uma campanha totalmente focada na prevenção ao câncer de mama e de colo de útero. Já no Novembro Azul, os mesmos cuidados são enfatizados, só que em relação ao câncer de próstata e de testículo.
Ambos os tipos de câncer – de mama e de próstata – são os mais comuns entre mulheres e homens (não considerando o câncer de pele), respectivamente.
Fazia sentido imaginar que as campanhas surgiram como uma ferramenta para enfrentar o maior desafio oncológico de cada um dos sexos.
Porém, existe uma diferença fundamental.
Enquanto a campanha de outubro existe especificamente para abordar dois tipos de câncer, o tema do Novembro Azul é a saúde masculina como um todo, sendo o câncer de próstata apenas um entre vários aspectos a serem abordados.
Mas por que a essa campanha é generalista enquanto sua contraparte feminina se permite focar em uma única doença?
A resistência em procurar ajuda
Os cuidados com a saúde, principalmente os de caráter mais preventivo são, historicamente, um desafio para os homens.
Em comparação com a mulher, o homem tem uma resistência muito maior para ir ao médico. Isso é verdade para visitas de rotina, preventivas. Mas mesmo na presença de sintomas essa tendência ainda persiste. Homens não gostam de ir ao médico.
Dados do Governo Federal apontam que, no nosso país, a expectativa de vida dos homens é 7,1 anos menor que a das mulheres. Em termos globais, essa diferença é virtualmente a mesma.
É claro que o problema discutido aqui não justifica, por conta própria, tamanha diferença. A resposta é mais complexa que isso.
Da mesma forma, não seria razoável supor que não existe nenhuma relação entre esses dois fatos. A verdade é: o comportamento evasivo em relação aos cuidados médicos tem um efeito negativo sobre a saúde masculina.
Se para os cuidados do corpo essa é uma realidade clara, para os cuidados da mente, mais ainda.
O bem-estar emocional foi um aspecto profundamente negligenciado durante a maior parte de nossa existência como civilização. Pelo menos se comparado à saúde física.
A tendência tem se invertido nos últimos anos, mas, ainda assim, uma porção não desprezável da sociedade ainda se sente receosa em dar um passo à frente e procurar auxílio mental quando necessário.
Nesse contexto, não surpreende o fato de que os homens possuem uma dificuldade muito maior em dar atenção à sua saúde mental.
Deve-se, porém, resguardar o fato de que em nenhuma medida isso se trata de um problema exclusivamente masculino. Mulheres também podem sofrer – e sofrem – com essas mesmas dificuldades.
E enquanto é verdade que tanto homens quanto mulheres passam por dificuldades emocionais ao longo da vida, os primeiros costumam preferir guardar esses problemas para si mesmos.
Essa resistência pode ser acionada por vários mecanismos: fisiológicos, psicológicos, sociais, etc.
Um dos mais evidentes é a percepção, compartilhada pela maioria dos homens, de que devem ser resolvedores, e não causadores de problemas.
Nesse sentido, ir ao médico representa o risco de acabar recebendo um diagnóstico. Uma perspectiva menos que desejável para alguém que sempre se vê lidando com a vulnerabilidade alheia, mas não com sua própria.
Essa noção também tem parte de sua origem em um fator externo: homens têm a percepção de que devem ser fortes e suportar tudo em silêncio porque durante muito tempo era exatamente isso que se esperava deles.
Obviamente, levar isso ao extremo pode ser altamente perigoso (o comparativo de expectativa de vida que fizemos acima é um testamento disso).
O fato é que se você tem um problema, ignorá-lo não irá fazê-lo ir embora.
Pelo contrário, ignorar um problema sobre o qual você pode fazer algo a respeito é um convite para que ele cresça. E aberta a possibilidade, ele vai crescer. Afinal, todas as coisas tendem à desordem, e apenas um esforço no sentido de mantê-las funcionando é que evita isso.
A recusa em agir é uma aposta muito, muito ruim.
No caso da saúde mental, essa desordem representa perda de qualidade de vida. Como algumas das dificuldades mais comuns e que comprometem o bem-estar podemos citar:
Estresse
Seja ele causado por motivação financeira, turbulência nos relacionamentos ou pressão no trabalho.
O estresse é uma reação completamente natural. Como dispositivo biológico, ele traz algumas vantagens a curto prazo.
O que não pode ser considerado normal é o estresse quase permanente. Nesses casos, a tensão em uma área da vida acaba respingando em todas as outras. É a partir daí que você saberá que o estresse está sendo um detrimento e deve ser controlado.
Depressão
O principal sintoma da depressão é perda de sensibilidade para atividades e momentos que costumavam ser prazerosos e antecipados.
Outro sinal comum é um persistente sentimento de desânimo.
Essa doença pode se manifestar de diversas outras maneiras, e muitas vezes, identificá-la não é nada fácil.
Embora afete a qualidade de vida, muitas vezes uma pessoa depressiva pode manter sua rotina aparentemente inalterada, de forma que a doença se torna uma batalha privada, com as pessoas ao redor alheias a todo o sofrimento.
Manter segredo, obviamente, não é nada bom. A depressão é uma doença, tanto quanto qualquer mal físico que tratamos sob orientação profissional.
Reduzir a depressão a mera ‘frescura’ é, sob qualquer ótica, uma decisão muito imprudente.
Ansiedade
A ansiedade é outra reação natural do corpo que, quando chega e vai embora de maneira adequada, pode ser benéfica.
Porém, assim como o estresse, ela se torna um transtorno quando é desproporcional à situação ou quando dura por extensos períodos de tempo.
O Transtorno de Ansiedade Generalizada pode ser uma condição extremamente limitante, afetando profundamente a capacidade da pessoa realizar até as tarefas mais simples.
Felizmente, assim como a depressão, a ansiedade pode ser tratada e superada com boa vontade para fazer o autocuidado e auxílio das fontes certas. Falaremos mais sobre isso na próxima seção.
Abuso de substâncias psicoativas
Muitas vezes, esse comportamento surge como um mecanismo de enfrentamento a alguns dos transtornos citados acima.
Muitas pessoas buscam refúgio das dificuldades da vida no álcool e em outras drogas. No curto prazo, funcionam muito bem para manter longe os problemas cotidianos.
Mas no curto prazo somente.
Vício, perda de saúde e uma miríade de outros problemas decorrem do abuso dessas substâncias.
Embora nos últimos anos a taxa de consumo de álcool entre as mulheres tenha crescido mais que entre os homens, o fato é que os últimos ainda são os que mais sofrem com o abuso dessa e de outras substâncias.
Soluções para uma vida saudável
Eis a principal mensagem desse artigo:
Todas as coisas na vida seguem a mesma tendência: a de se deteriorarem. Felizmente, a maior parte delas pode ser mantida em bom estado, mas isso exige esforço.
O primeiro passo para ter uma mente saudável, que trabalhe a seu favor e não contra você, é reconhecer que ela precisa de cuidados.
O segundo passo é entender que sua saúde mental enfrentará altos e baixos.
Esse é um fato facilmente observável: quem nunca passou por momentos particularmente tensos no trabalho, com a família ou em outra área qualquer?
Da mesma forma, em alguns momentos agimos de maneira que nos deixa orgulhos. Ou nos vemos em um lugar agradável, com pessoas agradáveis.
São momentos onde nossa mente, pelo menos em partes, está em um estado mais que satisfatório.
Não se surpreenda ou entre em negação se sua saúde mental estiver em uma posição pouco confortável. Isso não é nada além de natural.
O que fazer quando nos vemos nessa situação? Nós devemos agir. Agir no sentido de fazer as coisas melhorarem de novo.
Isso pode ser feito de diversas formas:
Cuide bem do seu corpo
Não é um contrassenso a primeira dica de cuidado mental começar com o corpo: o físico e o psicológico estão intimamente ligados.
A maneira como se alimenta, seu sono, atividades que você pratica (ou não). Tudo isso influencia no seu bem-estar como um todo. Corpo e mente são profundamente dependentes um do outro.
Essa conexão entre eles é tal que a deterioração da saúde de um afeta negativamente o outro. Mas o oposto também é verdade: cuide do seu corpo e sua mente se fortalecerá, e vice-versa.
Por isso, mantenha hábitos saudáveis: invista em uma alimentação regular e balanceada, pratique algum tipo de exercício físico, tenha uma rotina regular de sono.
Esse é um comportamento que deve ser mantido constantemente, não só em momentos difíceis.
Um estilo de vida equilibrado gera frutos quando o tornamos exatamente isso: nosso estilo de vida.
Se deseja ler mais sobre essa relação e quiser conferir outras dicas, não pule este artigo.
Encontre pessoas de confiança e converse sobre você
Muitas vezes isso é tudo que é necessário: encontrar uma pessoa que leve você a sério e que esteja disposta a realmente ouvir.
Falar sobre o que você está sentindo – ou simplesmente relatar o que tem acontecido com você – não é só uma forma de colocar para fora coisas que não devem ficar dentro de você.
Ao falar, você se força a colocar seus pensamentos e sentimentos um pouco mais em ordem, mesmo que não perceba. Afinal, você precisa articular tudo para que faça algum sentido para seu ouvinte.
Isso é importante pois, depois de falar, você estará se deparando com uma situação um pouco menos confusa. Talvez o suficiente para que você saiba melhor o que fazer – ou se sinta melhor sobre a coisa toda.
Além disso, se estiver disposto, você pode ouvir as impressões da outra pessoa sobre o que você falou. Essa também é uma ótima oportunidade de ser confrontado com uma nova perspectiva.
Não é sempre o caso, mas lembre-se que duas cabeças podem pensar melhor que uma.
Dê uma chance a terapia
Novamente, fazer terapia não é frescura ou fraqueza.
Aliás, o que seria “força”, então? Ter corpo e mente invulneráveis? Saber tudo sobre como esses dois funcionam? Pouco realista.
Um dos papéis primários da terapia é ajudar a lidar com os problemas mais complexos e dolorosos que enfrentamos.
Nos referimos aqui, principalmente, àqueles 4 que foram citados na sessão anterior: estresse, depressão, ansiedade e abuso de substâncias.
Essas coisas (e muitas, muitas outras) não foram feitas para serem enfrentadas por conta própria.
É como lidar com um osso quebrado ou uma dor no peito: você, como leigo, até pode fazer alguma coisa, mas nada vai substituir a ajuda de um profissional capacitado para lidar com isso.
Outra oportunidade que a terapia traz é o aprendizado.
Falar com um profissional da saúde mental nos ajuda a nos entendermos melhor, o que nos fortalece para as futuras situações que a vida trouxer.
Autoconhecimento é uma ferramenta poderosíssima. Nos torna mais sábios, mais capazes de lidar com nós mesmos e com os outros. Ajuda a melhorar nossos relacionamentos e nos torna mais capazes de enfrentar os momentos difíceis.
E um dos motivos pelo qual o autoconhecimento é tão importante é que nós não nos conhecemos tão bem quanto achamos.
Somos seres bem mais complicados do que pensamos ser. E isso vale até para o homem mais prático do mundo.
A terapia é, então, uma oportunidade de confrontar nossas dificuldades emocionais e desenvolver nosso potencial.
Isso soa exatamente o oposto de fraqueza.
Conclusão
A masculinidade está historicamente associada a responsabilidade: a responsabilidade de proteger, a responsabilidade de prover, etc.
Não há nenhum problema em assumir responsabilidades. Pelo contrário, talvez elas sejam a melhor forma de amadurecer e crescer como pessoa. E isso vale para ambos os sexos.
Mas antes de buscar assumir responsabilidades maiores – com as pessoas ao nosso redor, por exemplo – devemos aprender a responsabilidade com nós mesmos.
Isso significa que devemos levar a sério nossas necessidades e vulnerabilidades, e ter a honestidade de assumi-las antes de lidar com as de outras pessoas.
A responsabilidade pela casa, pela família e pela comunidade são baseadas na responsabilidade consigo próprio.
Jamais negligencie sua saúde. Você não ousaria fazer isso com as pessoas com quem se importa.