As relações no ambiente de trabalho - Uma breve discussão
O mundo do trabalho está a cada dia mais insustentável do ponto de vista da saúde mental. Muitas questões estão no entorno. Esse artigo visa levantar uma breve discussão sobre esse enredo complexo. Alguns pontos são colocados como ponto de partida e outros como caminhos, leia e reflita. Boa leitura!
04.05.2022 | Caique Oliveira
Trabalho e sujeito
Muitas questões estão envolvidas quando se trata da relação entre trabalho e sujeito, ambiente organizacional e ser humano. Do lado geralmente mais poderoso dessa relação encontra-se a liderança e a gestão com suas visões, regras e metas. Do outro lado, encontram-se os sujeitos e suas necessidades. Colocar esses dois lados para discutir a relação, é um desafio constante e cada vez mais necessário na cultura organizacional atual.
Todo mundo já foi “novo” no trabalho um dia
A forma como o sujeito recebe alguém novo no ambiente de trabalho é um processo muito importante para a construção do percurso individual de quem está chegando e das relações sociais do ambiente organizacional no geral. Muitas vezes, quem chega à empresa recebe muitas informações tanto manifestas, quanto subliminares através de olhares, discursos e da própria organização da empresa.
Há quem recepcione um novo colaborador com simpatia, e também existe quem trata este novato de modo menos acolhedor, por diversos motivos, um deles, por vezes porque enxerga quem chega como uma possível ameaça.
Fato é que esse momento receptivo no ambiente de trabalho é crucial e precisa ser mais bem visto e discutido pelas organizações. Acolhimento e empatia nesse momento são conceitos fundamentais tanto para quem chega, quanto para a empresa no todo. Pois quem chega precisa sentir-se confortável para aprender e contribuir, e a organização necessita prosseguir no seu ritmo de produção.
Convivência e cultura
A convivência cotidiana é um desafio constante. Somos sujeitos singulares no mundo. Isso significa que enxergamos e lidamos com o mundo de maneira subjetiva, individual. Nesse sentido, nossas interpretações sobre situações e conclusões também podem criar conflitos. Esses conflitos são naturais e podem gerar tanto questões negativas, quanto positivas, mudanças que venham a somar.
Infelizmente é comum no ambiente de trabalho a existência de um olhar para o outro frequentemente como ameaça. Como alguém que pode me substituir ou crescer mais rápido do que eu. E essa característica disfuncional se conecta com o sistema econômico vigente na cultura, o capitalismo tem grande influência nessa engrenagem que incentiva a comparação e a competição, que acaba desgastando as relações e a saúde mental tanto na esfera individual, quanto coletiva.
E ocorre que diante desse clima colocado, o sujeito que por sua personalidade, tem uma visão mais criativa na empresa tende a ser sufocado. E isso pode ser lido de várias formas, uma delas, que julgo pertinente é o fato de que tanto os colegas, quanto a liderança tendem a recusar e enxergar como ameaça, movimentos que podem favorecer mudanças, porque julgam necessário manter as coisas no status quo, como estão e como sempre foram.
Uma leitura psicanalítica: o recalque em cena.
No senso comum, emprega-se a palavra recalque para se referir ao ato de fazer recuar ou de rechaçar alguém ou alguma coisa. O emprego da palavra é muitas vezes referido a pessoas que escondem um sentimento de inveja.
Para Sigmund Freud, o recalque designa o processo que visa a manter no inconsciente todas as ideias e representações ligadas às pulsões e cuja realização, produtora de prazer, afetaria o equilíbrio do funcionamento psicológico do indivíduo, transformando-se em fonte de desprazer. Freud, que modificou diversas vezes sua definição e seu campo de ação, considera que o recalque é constitutivo do núcleo original do inconsciente (ROUDINESCO 1998).
O conceito de recalque então pode ser entendido como ideias, representações e acontecimentos conhecidos por nós em determinados momentos de nossa vida (geralmente na infância), mas que pelo seu caráter e entorno complexos, não puderam ser elaborados na época em que surgiram e por assim ser, foram reprimidos (guardados a sete chaves) por nós.
Esse conceito também se aplica as coletividades, é comum nas organizações manifestações e efeitos da ordem daquilo que não é dito, colocado, pontuado e discutido. E isso pode vir de várias maneiras à tona, são alguns exemplos: atestados reiterados, faltas, doenças psicossomáticas, falhas na comunicação, práticas prejudiciais e etc.
Mas como já é bem pontuado pela psicanálise, tudo aquilo que é reprimido não some dentro de nós, os conteúdos reprimidos ficam tentando se comunicar e voltar de várias formas. Assim como na vida pessoal, os conteúdos recalcados vêm à tona também nas organizações, e geralmente costumam reaparecer em situações extremas. E de repente o não foi dito, se escancara.
Saúde mental e trabalho: o psicólogo como ferramenta crucial nas organizações.
Segundo a revista Época, entre os anos de 2009 e 2015, aproximadamente 97 mil pessoas foram aposentadas por invalidez em razão de transtornos mentais e comportamentais. Um estudo da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) revelou que os transtornos podem estar associados a situações e pressões impostas no ambiente de trabalho, onde condições de violência ocorrem pela humilhação, perseguição, além de agressões físicas e verbais (epocanegocios.globo.com, 2017).
Todo trabalhador tem outra vida fora do horário comercial. Todo trabalhador é corpo, mente e vive em sociedade. Portanto, assim como quando um resfriado o impede de ir trabalhar, pois o desabilita para o trabalho afetando questões individuais e coletivas, a saúde mental dos trabalhadores também merece maior e especial atenção. Pois o seu estado influencia tanto o sujeito na sua função, quanto no seu arredor.
O clima organizacional (ambiente que depende de todos os envolvidos) precisa favorecer o diálogo e a compreensão entre liderança e sujeito, além de conquistar avanços significativos para ambos os lados. Se por um lado as organizações precisam continuar sendo eficientes, do outro, os colaboradores precisam ser acolhidos diante de suas necessidades e terem condições dignas de exercerem as suas funções.
E o agente potencial que tem muito a contribuir nessa mediação é o profissional da Psicologia. Esse profissional vai se debruçar sobre as leituras, os meios e as alternativas que podem contribuir para o fortalecimento dessa relação. E, sobretudo vai auxiliar na criação de condições que favoreçam um cenário em que liderança e colaborador saiam ganhando.
Empatia: colocando a palavra da moda em prática.
A empatia recebeu grande atenção de Sigmund Freud em seu texto Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905). Conhecedor dos profundos e complexos processos psicológicos da metapsicologia que criou a Psicanálise, Freud empregou o termo empatia (einfunhlung) no sentido de expressar a compreensão entre dois seres humanos.
O termo empatia e o seu emprego na prática no ambiente de trabalho, são de fundamental importância. Pois é só compreendendo o outro, as suas necessidades e dificuldades, que eu posso ajudar e construir novas possibilidades. Toda mudança individual, tem impacto coletivo, uma dificuldade superada é um obstáculo a menos na organização.
Portanto, sejamos empáticos! Usemos de compreensão para entender que uma frase mal colocada pode ser um pedido de ajuda. E assim como hoje eu posso estar estendendo uma mão, amanhã eu posso precisar me apoiar em outra.
Concluindo, é preciso sinalizar que o tema não se esgota nessa discussão, e ainda há muito que se discutir sobre o assunto. Pois assim como a vida e o tempo, o trabalho e as relações que delem se derivam também estão em constante mudança.
REFERÊNCIAS:
ROUDINESCO E PLON. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. RUFO, M.