O que são distorções cognitivas e como lidar com elas
Esse fenômeno está por trás de transtornos como depressão e baixa autoestima. Mas afinal, como identificar e se proteger das distorções cognitivas?
17.11.2021 | João Vitor Santos
Introdução
Há muito o que ser dito sobre o cérebro humano. Pode-se começar dizendo, por exemplo, que o nosso cérebro é, indubitavelmente, a coisa mais complexa de todo o universo.
Isso mesmo, mais do que qualquer computador, máquina ou corpo celestial – temos a estrutura mais avançada de todo o cosmos entre nossas orelhas. Se não qualquer outra coisa, isso é suficiente para nos considerarmos especiais.
Uma segunda informação importante sobre o cérebro, e um fato um tanto desconcertante, é que ele ainda é um mistério.
Conhecemos muito pouco sobre esse órgão. E não é injusto afirmar que, embora haja muito a ser dito, há ainda muito mais por se descobrir. Temos um dispositivo extremamente avançado que nos levou mais longe do que qualquer espécie no planeta e é essa mesma sofisticação que torna sua compreensão tão difícil.
Mas, infelizmente para nós, toda essa sofisticação nem sempre trabalha a nosso favor. O cérebro tem uma capacidade impressionante de pregar peças em nós (ou seria em si mesmo?).
Algumas vezes isso gera nada mais do que uma situação curiosa – vide Déjà vu e Síndrome da Vibração Fantasma, por exemplo. Em outros casos, entretanto, as consequências podem ser mais sérias, gerando cicatrizes emocionais e catapultando transtornos psicológicos.
Entre esses fenômenos, destacam-se as distorções cognitivas.
O que são distorções cognitivas?
O termo se refere a pensamentos ilógicos ou irracionais que nos levam a conclusões igualmente equivocadas.
Essas conclusões, por definição, envolvem o surgimento ou perpetuação de opiniões negativas sobre nós mesmos.
Dessa forma, as distorções cognitivas parecem, a princípio, ser pensamentos coerentes e alinhados com a realidade, mas se tratam de inverdades cujo único objetivo é nos diminuir.
Uma importante característica desses pensamentos – e algo que os torna tão perigosos – é a sua sutileza. Graças a ela, é bastante difícil reconhecer e separar as distorções cognitivas dos pensamentos positivos e que realmente agregam.
Por serem tão difíceis de reconhecer, as distorções cognitivas também passam a ser mais difíceis de serem combatidas, o que abre a possibilidade para danos psicológicos significativos.
Doenças como a Depressão e o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), por exemplo, têm uma forte ligação com as distorções cognitivas, uma vez que pensamentos negativos a respeito de si mesmo estão, de certa forma, ligados a males como esses, é o que aponta este estudo.
Quais são as principais distorções cognitivas?
Filtragem: A filtragem acontece quando, em uma determinada situação, a pessoa se foca apenas naquilo que é ruim e ignora todos os aspectos positivos. Essa seletividade faz com que apenas as impressões negativas tenham espaço, o que obviamente é ruim para a saúde mental.
Pensamento polarizado: Esse tipo de pensamento reducionista classifica tudo por extremos. Ou algo é perfeito, ou é absolutamente desprezível. Sem meio termo. Essa polarização ignora (além do necessário), a complexidade que faz parte da nossa vida, prejudicando relacionamentos e o bem-estar.
Generalização: Como o nome sugere, a generalização se trata de uma conclusão sobre o todo que é baseada em um caso específico. Esta é uma forma pobre de enxergar a realidade pois supersimplifica (negativamente) algo que, com o tempo, poderia se revelar positivo.
Pular para as conclusões: Acontece quando a pessoa se convence de uma hipótese quando a questão está aberta a interpretação. Um exemplo é quando a pessoa considera que o afastamento de alguém é devido um ressentimento contra ela, quando inúmeros outros fatores podem ter motivado o dito afastamento.
Magnificação: Se trata de atribuir uma importância exagerada a um inconveniente, de forma que suas consequências pareçam as piores possíveis.
Pessoalização: Pessoalização é levar tudo para o lado pessoal. A pessoa acredita que ela é o assunto do momento entre todos, e não de uma maneira positiva. A pessoalização pode levar a problemas de confiança, autoestima e pode atrapalhar o crescimento da pessoa, por não saber identificar sugestões e críticas construtivas.
Falácias de controle: Envolvem dois extremos: a pessoa acredita ser apenas uma vítima e que nada está sob seu controle, ou acredita que tudo é culpa sua, até mesmos coisas que escapam completamente do seu controle ou responsabilidade. Esse tipo de distorção leva a expectativas irreais e a frustração.
Falácias de justiça: A vida nem sempre é justa, a maioria das pessoas sabe disso. As que não sabem, costumam utilizar as falácias de justiça. Essas pessoas costumam ficar ressentidas, tristes ou com raiva além da medida quando algo que elas consideram justo não acontece. Mesmo que não seja culpa de ninguém.
Culpar: No contexto das distorções cognitivas, culpar envolve eximir-se de toda a responsabilidade pela própria situação e colocar essa responsabilidade em outra pessoa. Sempre culpar os outros causa ressentimento e impede que a pessoa amadureça.
Raciocínio emocional: Nesse caso a pessoa confia em seus sentimentos como prova absoluta da verdade, ou seja, eles nunca estão errados. Isso é perigoso pois nossas emoções, além de serem influenciáveis e nem sempre racionais, estão associadas à nossa perspectiva dos fatos, que pode não corresponder à verdade definitiva.
Falácia de mudança: Se refere à convicção de que, com esforço e paciência suficientes, você pode mudar qualquer pessoa. Acreditando que sua felicidade ou sucesso depende completamente dessa mudança, você coloca dedicação total no objetivo de mudar a outra pessoa.
Supergeneralização: Um caso extremo da generalização citada anteriormente e funciona de maneira semelhante. Se trata de rotular a si mesmo ou a outrem por conta de uma característica ou erro específico. Esse rótulo envolve toda a personalidade, capacidade e caráter da pessoa. É como se um único evento revelasse tudo sobre ela.
Estar sempre certo: Acreditar que está com a razão é natural para os seres humanos. Nesse caso, porém, a pessoa se recusa a assumir que está errada, mesmo diante de evidências sólidas. Como consequência, ela não mede esforços para provar seu ponto de vista, não levando em conta o bem-estar e os sentimentos alheios.
Falácia da recompensa divina: A pessoa que aplica essa falácia acredita que a consequência do trabalho duro é sempre uma recompensa generosa, independente de qualquer coisa. Muito semelhante ao que acontece nas falácias de justiça, a pessoa se torna ressentida quando a realidade nem sempre corresponde às suas expectativas.
Como lidar com as distorções cognitivas?
O primeiro e mais importante passo para lidar com as distorções cognitivas é saber identificá-las.
Isso dá a pessoa a oportunidade de recusar esse pensamento, não o acolher e não adotar as conclusões que surgem dele, uma vez que ela sabe conscientemente que essas conclusões são falsas.
Um bom exercício para isso é responder a série de perguntas abaixo com “verdadeiro” ou “falso”. Leia calmamente e atribua a resposta que você julga correta:
- Eu sou um fracasso;
- Eu sou mais feio(a) do que ele(a);
- Eu disse não a um(a) amigo(a) em necessidade;
- Um(a) amigo(a) em necessidade disse não para mim;
- Sou ruim em tudo;
- Gritei com meu parceiro(a);
- Não consigo fazer nada direito;
- Ele(a) falou coisas ofensivas para mim;
- Ele(a) não se importou em me magoar;
- Isso vai ser um completo desastre;
- Eu sou uma pessoa ruim;
- Eu disse coisas das quais me arrependo;
- Eu sou menor que ele(a);
- Eu não sou uma pessoa adorável;
- Eu sou egoísta e insensível;
- Todos são pessoas muito melhores que eu;
- Ninguém jamais poderia me amar;
- Eu estou acima do peso;
- Eu estraguei a noite;
- Eu não passei no teste.
Caso você esteja incerto de quais são as respostas corretas de fato, aqui estão elas:
- Eu sou um fracasso - Falso
- Eu sou mais feio(a) do que ele(a) - Falso
- Eu disse não a um(a) amigo(a) em necessidade - Verdadeiro
- Um(a) amigo(a) em necessidade disse não para mim - Verdadeiro
- Sou ruim em tudo - Falso
- Gritei com meu parceiro(a) - Verdadeiro
- Não consigo fazer nada direito - Falso
- Ele(a) falou coisas ofensivas para mim - Verdadeiro
- Ele(a) não se importou em me magoar - Falso
- Isso vai ser um completo desastre - Falso
- Eu sou uma pessoa ruim - Falso
- Eu disse coisas das quais me arrependo - Verdadeiro
- Eu sou menor que ele(a) - Verdadeiro
- Eu não sou uma pessoa adorável - Falso
- Eu sou egoísta e insensível - Falso
- Todos são pessoas muito melhores que eu - Falso
- Ninguém jamais poderia me amar - Falso
- Eu estou acima do peso - Verdadeiro
- Eu estraguei a noite - Falso
- Eu não passei na prova- Verdadeiro
Com o passar do tempo, e conforme esse ciclo de identificação recusa se repete, a tendência é que esses pensamentos incorretos diminuam em frequência, sendo substituídos por pensamentos saudáveis e corretamente alinhados com a realidade – o tipo de pensamento que nos faz crescer e superar os obstáculos do cotidiano.
Julgar o mérito de um pensamento e escolher mantê-lo ou não é o melhor método para quem deseja enfrentar sozinho as distorções cognitivas, mas uma alternativa poderosa pode ser encontrada na terapia.
Principalmente na abordagem Cognitivo-Comportamental, é possível encontrar e discutir técnicas para o enfrentamento dos pensamentos. A lista de perguntas que respondemos acima foi apenas um dos exemplos.
Uma vantagem natural da terapia é a presença de um profissional durante todo o processo.
Isso nos ajuda a ter uma perspectiva mais imparcial sobre aquilo que estamos sentindo, sem falar na constante orientação de alguém capacitado para lidar com esse tipo de situação, o que permite extrair o máximo dessa experiência.