Universidade e saúde mental: como manter o bem-estar no ambiente acadêmico
Apesar de sua importância, o ensino superior frequentemente compromete o bem estar dos discentes. Entenda agora como manter a saúde mental nesse contexto.
08.11.2021 | João Vitor Santos
Se você, assim como eu, é ou já foi aluno universitário, sabe o quanto a faculdade pode ser um ambiente desafiador, mentalmente falando.
O desgaste da rotina acadêmica pode iniciar (ou agravar) quadros de ansiedade, desânimo e dificuldades no sono, para citar alguns. Como lidar com isso?
Atividades simples e pequenas ações podem ajudar a manter a qualidade de vida nesse período, permitindo que você também aproveite as melhores experiências que essa etapa tem a oferecer.
Algumas dessas ações incluem: se alimentar de maneira saudável e balanceada, reservar um tempo para descansar, regularizar a rotina de sono e começar um diário. Falaremos detalhadamente de cada uma delas ao longo do artigo.
Porém, antes de começar a aplicar essas dicas na sua vida, lembre-se: sempre que não se sentir bem ou achar que algo está errado, peça ajuda! Não carregue esse fardo sozinho. Abra-se para as pessoas em quem confia e busque auxílio.
Caso você seja amigo ou familiar de um estudante que está passando por dificuldades emocionais, alguns gestos podem significar muito para a pessoa que você pretende ajudar. Em primeiro lugar, procure sempre manter contato e passar algum tempo com a pessoa, mesmo que remotamente.
Outras ações incluem: ter uma conversa honesta sobre como ela está se sentindo ou ainda oferecer ajuda em alguma atividade simples, como um afazer doméstico.
Finalmente, colocar-se sempre à disposição, não somente como auxílio no cotidiano, mas principalmente como um ombro amigo, significará muito para ela.
Você não está sozinho
A primeira universidade do mundo, de acordo com o entendimento moderno que se tem do termo, foi fundada em Bolonha, há mais de 930 anos atrás.
Talvez os primeiros universitários, em situação diferente da nossa, não tivessem que apresentar seminários depois de passar a noite em claro estudando para provas de recuperação, funcionando tão somente a base de energéticos ou de café de qualidade duvidosa.
Os problemas naquele tempo eram outros e talvez o melhor seja nos abstermos de especular quais eram.
Apesar das mudanças ao longo dos séculos, o propósito das universidades permanece o mesmo: preparar seus estudantes para exercerem a profissão que escolheram, além de serem centros de produção de conhecimento.
Com o objetivo de buscar a excelência nos profissionais e no conhecimento que produzem, essas instituições se tornaram cada vez mais exigentes, estabelecendo um padrão significativamente alto para aqueles que fazem parte delas.
Essa demanda por um alto desempenho teve o resultado esperado: o nível da produção acadêmica é, via de regra, altíssimo.
Entretanto, esse aspecto positivo está acompanhado de efeitos colaterais: as universidades estão se tornando, mais e mais, ambientes adoecedores.
No esforço para se manterem sempre em alto nível, muitos estudantes levam sua saúde ao limite, e as consequências as vezes são desastrosas. É o que mostra uma pesquisa feita pelo IPPR (Instituto para Pesquisa de Políticas Públicas), no Reino Unido.
O documento, que data de 2017, aponta que a quantidade de alunos que comunicaram dificuldades emocionais às suas universidades quintuplicou desde 2007. Mas um indicador ainda mais preocupante pode ser encontrado - o número de estudantes que tiraram suas próprias vidas aumentou em 79% entre 2007 e 2015.
E esse também é um problema doméstico.
Aqui no Brasil, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior, a Andifes, publicou um levantamento nos mesmos moldes da pesquisa inglesa, e os resultados são ainda mais preocupantes.
O estudo, que foi publicado em 2018, revelou que aproximadamente 83,5% dos estudantes universitários brasileiros enfrentam alguma dificuldade emocional que afeta o desempenho nos estudos.
Se levarmos em conta que o Brasil tem hoje em torno de 8,5 milhões de acadêmicos, chegamos ao assustador número de quase 7,1 milhões de estudantes que podem estar com a saúde mental comprometida ao ponto de afetar o desempenho acadêmico.
Caso você seja um estudante que está passando por dificuldades emocionais, seja devido ao ambiente universitário ou não, saiba que você não está sozinho. Há uma verdadeira multidão de pessoas em situação semelhante.
Diante de um desafio tão urgente a pergunta que surge é: o que fazer? Como preparar profissionais competentes e relevantes sem sacrificar-lhes a saúde, a qualidade de vida e o bem-estar?
Cooperação é a resposta
Se tratando de um tema tão complexo como a mente humana, a resposta nunca poderia ser simples. Mas isso não significa que uma solução seja impraticável ou esteja fora de alcance.
Uma das maneiras de abordar essa questão é identificar os principais personagens envolvidos e atribuir-lhes um papel adequado no processo de valorização e preservação da saúde mental do estudante.
Em linhas gerais, 3 figuras principais podem ser observadas: o próprio estudante, seus contatos mais próximos (como família e amigos) e a universidade. Veja agora como cada uma delas pode fazer parte da solução.
Estudante
Estão nas mãos do próprio estudante as principais ferramentas para garantir um estilo de vida psicologicamente sustentável durante o ensino superior. Aos que estão decididos a praticar o autocuidado, trazemos algumas dicas que com absoluta certeza ajudarão nesse objetivo:
- Regularize sua alimentação e seu sono: Conforme discutido em nosso artigo, uma das coisas que mais afeta seu bem-estar mental é... seu bem-estar físico. Para isso, não precisa cortar totalmente as guloseimas, mas aprecie-as com parcimônia e busque também consumir frutas e alimentos naturais ao longo do dia. Quanto ao sono, procure acordar sempre no mesmo horário todos os dias (e se possível, dormir no mesmo horário também). Para que as horas de repouso sejam melhor aproveitadas, passe os últimos minutos do seu dia longe das obrigações, uma dica é aproveitar esse momento para escrever algo. A propósito...
- ...Comece um diário: Transferir seus pensamentos e problemas para um documento é uma forma muito efetiva de se distanciar deles. Isso não só oferece a você uma nova perspectiva sobre os fatos mais importantes, como também costuma tornar seus problemas mais fáceis de serem abordados. Precisa colocar para fora algo que tem te incomodado ou aquilo que está sentindo? O diário pode ser sua resposta. Isso aliás, é muito importante para manter o psicológico afiado. Em dias carregados como os nossos, acumular sentimentos e impressões dentro de si pode ser tudo, menos uma boa ideia. Além disso, esses registros são uma ótima maneira de revisitar momentos no passado que, de outra maneira, talvez se perderiam com o tempo.
- Se permita uma folga: Estudar, estagiar e participar de atividades extracurriculares... É tudo muito importante, mas esses compromissos passarão a ter um gosto amargo se você não recompensar a si mesmo pelos seus esforços. Lembre-se: tratar a si mesmo como escravo é o caminho mais curto para que você tenha ressentimento de tudo aquilo que construiu. Por isso, reserve algumas horas por semana para fazer aquela atividade que você tanto gosta, mas que você tem deixado de lado porque não cabe na sua agenda. Veja esse ato como um investimento, tão necessário quanto seus demais compromissos.
- Família/amigos: Como as pessoas mais próximas do aluno, o suporte desse grupo é fundamental para que ele se sinta amparado e confortável em pedir ajuda e falar sobre suas dificuldades. Nesse sentido, a dica de ouro é:
- Esteja lá por ele(a): Saber que existe uma pessoa pronta para te ouvir ou ajudar de outras formas em um momento de aperto é libertador, não? Por isso, busque estar à disposição da pessoa em questão e deixe-a saber que você realmente se importa, mas lembre-se: ações valem mais que palavras. Nesse sentido, várias coisas contam: passar tempo com a pessoa (na medida que a rotina de ambos permite), oferecer ajuda em alguma tarefa pequena ou simplesmente conversar sobre como ela está se sentindo. O apoio emocional, principalmente quando parte da família, faz toda a diferença.
Universidade
Não é surpresa que as instituições de ensino tenham um papel relevante na preservação do bem-estar mental de seus discentes.
Ainda assim, a discussão sobre qual deve ser a postura da instituição, e quais ações exatamente devem ser implementadas só está começando a surgir.
Mas essas medidas não precisam envolver um completo redesenho nas metodologias de ensino ou outras mudanças drásticas.
Existem três áreas principais que causam muita dor de cabeça a um aluno e um mero refinamento na maneira como são aplicadas pode representar um grande ganho em qualidade de vida:
- Volume de atividades: É verdade que o aprendizado muitas vezes vem da repetição. Mas existe um ponto a partir do qual essa repetição deixa de ser um benefício e passa a ser um detrimento, principalmente considerando a quantidade de disciplinas e a alta carga horária média com que o aluno precisa lidar. Tudo isso gera uma tensão que está presente na mente do aluno durante todo o semestre letivo, todos os anos. Dosar o volume de atividades significa dar aos estudantes a oportunidade de estarem em uma situação mentalmente sustentável, o que diminui as chances de uma queda de desempenho, e principalmente, de surgirem problemas emocionais com o passar do tempo.
- Encerramento do calendário letivo: Em muitas ocasiões é justo dizer que as datas de início, e principalmente de término, do semestre letivo são... menos que ideais. Claro, existem situações em que esse é o caso por conta de motivos de força maior, como greves e afins. Mas não é a esses casos que esse tópico se refere. Muitas vezes a data de encerramento chega a ser na segunda semana de dezembro/julho, ou até mais tarde. Isso inviabiliza o plano de férias de muitos estudantes (que geralmente envolve a família, por isso a janela disponível acaba não sendo flexível). Com isso, até o momento em que deveria ser de descanso, acaba sendo prejudicado, mesmo que indiretamente, pelos estudos. É muito interessante, para instituição e aluno, que a janela convencional de férias também seja levada em consideração. Isso, assim como a redução no volume de atividades, dará ao aluno o equilíbrio para continuar atuando em alto nível no longo prazo.
- Compromissos presenciais: Uma das lições que a pandemia do Coronavírus ensinou foi que, com certo esforço de adaptação, muitas atividades antes realizadas fora de casa podem ser feitas também nesse ambiente, sendo as aulas teóricas uma delas. Desenvolver pelo menos parte das atividades curriculares remotamente é benéfico por vários motivos: reduz o gasto de tempo e dinheiro com deslocamento, facilita a concentração além de haver um aproveitamento melhor do tempo de aula. Se as empresas se adaptaram à realidade do home office, por que não as universidades?
Como será daqui para frente?
É natural que, devido à natureza dos pontos levantados, surja o receio de que essas mudanças poderiam minar a capacidade dos futuros profissionais de se adequarem ao mercado.
Mas ao olhar para o mercado, a tendência que se observa é da valorização da saúde mental do trabalhador. Medidas estão sendo tomadas em todos os setores (em diferente intensidade, é verdade) no sentido de garantir o bem-estar da força de trabalho.
Isso porque, conforme sintetizado pelas Organizações Mundiais do Comércio e da Saúde, todos os setores da sociedade só têm a ganhar com uma população mentalmente saudável. O mercado e o mundo estão se conscientizando mais e mais da importância do bem-estar, e estão orientando suas ações nesse sentido.
As universidades, como representantes da vanguarda científica e intelectual da nossa sociedade, devem mais do que nunca assumir esse papel e dar mais importância à abordagem desse tema tão relevante.
Aos estudantes, cabe a responsabilidade de agir pensando em seu próprio bem-estar, isso representa fazer certos sacrifícios, mas também se posicionar e defender seus interesses. Use os recursos a sua disposição, sua voz, para fazer a diferença, nem que seja apenas na sua própria vida.
Aja!
Aquilo que você faz é o que te define, isso não vale apenas para as bandeiras que você defende, mas para o tipo de vida que você vive.
Como será daqui para frente?
Só cabe a nós, enquanto um coletivo, responder.